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“Neste ano, voto evangélico não foi de cabresto”, diz cientista político

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Atuando como consultor na construção de candidaturas para as eleições de 2022 e com acesso a diversas pesquisas qualitativas junto a eleitores encomendadas por partidos, o cientista político Fernando Luiz Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas, está confiante em dizer que o tempo do bolsonarismo acabou, apesar de ainda haver mais dois anos de mandato para o presidente Jair Bolsonaro. Mais que isso, ele observa que a esquerda perdeu a hegemonia na discussão de questões sociais e que essa pauta definirá o próximo pleito presidencial e para governador nos Estados. “O grande tema para 2022 é a questão social no país. E isso é o contrário do bolsonarismo”, resume. As informações e a entrevista são do jornal El País.

Pergunta: O que chama atenção nos resultados das eleições municipais deste ano? Existe um padrão no segundo turno?

Resposta: Não só no segundo turno, também no primeiro, nas principais cidades do país vemos uma derrota muito forte do bolsonarismo. Ele teve derrotas muito claras em campanhas nas quais se envolveu, mas não é só isso. O discurso dos vencedores anuncia já um clima de opinião muito diferente do clima de 2018. A eleição municipal é importante não para dizer quem vai ganhar a eleição presidencial, mas para vermos o clima de humor, os assuntos, o clima de opinião.

O clima de opinião que vimos em 2018 já estava colocado nas eleições de 2016. O candidato antissistema já estava lá. Pensemos no Doria quando dizia “eu sou gestor, não sou político”. Nessa campanha nenhum dos vencedores falou eu não sou político. Bruno Covas fez uma campanha muito certinha, quadradinha, e explorou o oposto. Dizia na TV, “eu sou político”.

Fora que a imagem do Bolsonaro está muito desgastada. Se pensarmos que o presidente da República e os filhos fizeram campanha pessoalmente para a Wal do Açaí ao cargo de vereadora em Angra dos Reis e ela não se elegeu… Ele teve um nível de superexposição nestes dois anos, lives no Facebook toda semana, tempo todo nas redes sociais. Para o eleitorado mediano em um contexto de crise, afetou ele fortemente, fica se oferecendo como alvo para a frustração das pessoas com a situação.

Pergunta: O bolsonarismo está morrendo?

Resposta: Não, mas vai diminuir progressivamente e chegar em 2022 bem menor. Em 23 das 26 capitais, aumentou muito a rejeição ao Bolsonaro nas últimas duas semanas. Isso é impressionante. Em São Paulo, tem pesquisa colocando ele com 17% de bom e ótimo… nunca teve isso e a tendência é piorar, não é melhorar. Não vai ter muito dinheiro para o ano que vem, os partidos do Centrão ali vão se afastar completamente do bolsonarismo para compor a eleição da presidência da Câmara e continuarem firmes, toda a oposição a ele vai começar a bater cada vez mais forte. É todo mundo contra ele.

Vendeu-se uma ilusão de que seria um governo que antissistema, que derrubaria o sistema por completo, que acabaria com a corrupção, e essa bandeira o Bolsonaro não tem mais condições de carregar, não consegue mais se colocar como um arauto anticorrupção.

Pergunta: O peso do voto evangélico nesse cenário diminuiu?

Resposta: Se você pegar no Rio de Janeiro, grande parte dos evangélicos votou no Eduardo Paes. Por que os evangélicos votaram nele? Em 2018, grande parte dos evangélicos foi nesse discurso bolsonarista de ser contra a corrupção, pela pátria e a família. Passados dois anos, boa parte desse grupo percebeu que precisa de mais alguma coisa.

Não adianta ficar falando de pátria, família e religião se não tiver emprego, renda, escola, se parentes estiverem ficando doentes e morrendo de covid-19. Quem é o evangélico com perfil mais padrão na Baixada Fluminense, por exemplo? Homens e mulheres negros ou pardos, é o primeiro dado demográfico. Aí vem o presidente e o vice-presidente dizer que não existe racismo no Brasil? O cara já está sem emprego, vivendo da economia informal, o auxílio emergencial está acabando, percebe que seu filho está sem aula e tem algum parente ou amigo que morreu de covid? Esse cara não está para brincadeira nesse momento.

Para completar, sente-se uma inflação nessa mesma ponta. Embora esteja começando a se alastrar agora e o tamanho disso ainda tem de ser mesurado e vermos se o efeito será duradouro, até agora é principalmente uma inflação acelerada de alimentos. E quem é que sente mais isso? As famílias de baixa renda, boa parte delas evangélicas. A imagem do Bolsonaro está bastante desgastada inclusive dentre os evangélicos, não adianta tentar se desvincular de todos os problemas, as pessoas precisam de soluções. Ele tem um erro de estratégia e comunicação de privilegiar essa coisa ideológica ao invés de políticas públicas.

Ninguém aguenta mais ficar ouvindo essa discussão ideológica, essa invasão da política na vida diária das pessoas, é uma overdose, cansou. Neste ano, o eleitor evangélico não é um voto de cabresto, que não obedece cegamente as orientações das lideranças das igrejas. No Rio e em São Paulo, para ficarmos só nesses exemplos, os candidatos da Igreja Universal e do bispo Edir Macedo, Marcelo Crivella e Celso Russomanno, perderam inclusive entre os evangélicos, mostram as sondagens.

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